quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Olhando para o tempo

   Num dia monótono, veio uma forte nostalgia. Olhei para o céu estrelado pela janela, procurando nas estrelas uma resposta para as discordâncias que há na vida. Quando observamos o universo, na verdade estamos olhando para o passado. Uma vez li  que quando vemos uma estrela na Via Láctea que está a cinquenta anos-luz de distância de nosso sol, estamos enxergando o passado, há cinquenta mil anos. Fico indignada ao refletir que nunca poderei consertar os erros do ontem, reviver momentos calorosos ou rever um ser querido que já não está mais aqui, mas posso apenas olhar para cima e ver coisas de muito tempo atrás. A indignação desaparece ao notar que a nossa vida é tão pequena que não temos chance de voltar atrás, enquanto o universo, tão sábio e acolhedor, nos dá o luxo de poder olhar para a sua infância, para assim os mais espertos se espelharem na sua tamanha grandiosidade.

     Gabriela Martelo

sábado, 23 de novembro de 2013

Sem rumo

Me conta a verdade que eu sei que vai doer, mas vai doer menos que as máscara que prendem os meus sonhos. Diz logo quem habita o teu coração, que eu te expulsarei de vez do meu, por mais que recue. Mas não me deixa no meio do caminho, desequilibrada nessa ponte, sem saber se você está perto ou longe. Preciso de chão, gosto de firmeza, da terra. Odeio o céu por me fazer voar, odeio o mar por querer navegar em cantos desconhecidos. Me dê uma nuvem para descansar caso me queira. Me dê o fogo do inferno para queimar se ao teu coração não pertenço. Só não me deixa aqui de bobeira, escrevendo cartas e jogando em seguida na lareira.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O café

  A cada gole o café esfria, ficando menos prazeroso de se tomar. O jeito exacerbado dela de amar foi uma espécie de milagre, visto que não há muitas condições para uma flor no deserto. Seguia os rastros e não se importava em cair do penhasco. Gostava de deixar o destino na mão do acaso e ter no peito sempre um pingo de esperança, que mantinha toda a chama dos seus sentimentos acesa. Como os olhos, a pele e os membros, essa loucura platónica foi envelhecendo, tendo uma dose de razão. Foi um melancólico término com a paixão, embora não recíproca no real. O corpo grita pelos efeitos que tirava a solidão e pulsava nas veias de maneira intensa, mesmo que lhe arrancasse lágrimas ao se abrir para a verdade. Por trás dos olhos que tanto brilharam, em vão a inocência de menina tenta se recuperar, cada vez mais pequena, infelizmente vencida pela mesmice que deu a maturidade. Com a vida realizada apenas na memória, se entrega ao tempo após o diário café, e este, que esfriava, milagrosamente ainda apresenta vapor.

    Gabriela Martelo

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A verdade dói


   O dicionário diz que o ato de “encarar” significa olhar de cara, considerar, analisar, afrontar e fixar os olhos. Infelizmente, não há um significado no mesmo sobre o ato de “encarar a verdade”. Após muito deduzir e me basear nas poucas experiências de uma mente com quase 16 anos, vi que encarar a verdade é aceitar algo que você inconscientemente procura não pensar sobre, como se aquilo não existisse. Encarar a verdade é parar de fugir da mesma, é parar de dar desculpas a si próprio. Encarar a verdade poderia até ser sinônimo de recomeçar, querer mudar.
   Alguns encaram o reconhecimento do fracasso nos estudos, procurando então melhorar o desempenho. Outros encaram os quilos a mais, focando em uma dieta e rotina de exercícios. Alguns alcoólotras e drogados se tocam sobre a situação que estão e procuram ajuda. Considero no conjunto até pessoas que abandonam filhos em orfanatos e que após anos os procuram.
   Talvez a verdade mais difícil de ser encarada é a que se trata do amor não correspondido. Quando uma pessoa ama, ela tende a se fechar no mundo da imaginação, preferindo viver na base da ilusão, porque a realidade é uma droga. Porém, ela se recusa a enxergar isso, criando desculpas esfarrapadas para o telefonema ignorado e para a mensagem não respondida. Normal sair da boca dela um “deve estar ocupado”, “não deve ter visto” ou até mesmo um “deve ter perdido o celular”.
   Por que ela se recusa a aceitar o mundo real? A resposta é simples e óbvia: a pessoa amada, para ela, é um ser perfeito. É linda, adorável e é valorizada por algum tipo de inteligência. O apaixonado quer viver ao lado dessas qualidades, desfrutá-las e acha que é uma pessoa ao alcance de merecê-las. Mas a verdade é que se ele não é correspondido, nada vale os seus esforços. Todos em vão.
   Finalmente, chega uma hora em que o perdidamente apaixonado enfim se encontra. É um encontro de dor, por ver que nunca terá aquela pessoa e que está na hora de viver sem a presença da mesma (até nos pensamentos). O processo de encarar a verdade está em andamento. O coitado vai beber muito, vai chorar para os amigos, vai ter saudade e se for bem descarado, vai ainda tentar conversar com o não atingido alvo. Mas essa verdade, após muita dor, vai brilhar e vai fazer bem.
   Encarar a verdade demora, mas quando se coloca em prática, pode ter certeza que irá esquecer o objeto desejado, seja em dias, meses ou anos. Encarar a verdade dói, afinal, a verdade dói, e muito. Mas é preciso passar pela escuridão para dar valor ao brilho que tem as estrelas.
   
  Gabriela Martelo

domingo, 17 de novembro de 2013

Outros amores

  Pegou-lhe as mãos e deixou o coração saciar o até então desconhecido tato. Olhou-o nos olhos e permitiu que os seus se afundassem naquele mar castanho, inda correndo o risco de se afogar. Afagou-lhe os cabelos, guiando as mãos ao aproveitamento daquele único momento, pois sua consciência era firme da possibilidade dos sentimentos não correspondidos.
   Essa instabilidade não interferiu no seu modo de agir. Entregou-se por completo, na sombra das estrelas, inspirando o ar da noite que a consagrou. Seu corpo era o seu caminho para a loucura, os lábios falavam a língua da paixão, os suspiros eram sinônimos de exaustão. Comportamentos completamente renováveis, pois por mais que tenha se entregue e se decepcionado, nas outras chances que a vida lhe dá, reage como um bebê que o mundo acabara de receber. 
   Cada amor é único, cada amor é um tesouro. Ela o abraçou, desejando que o efêmero não existisse, que a noite não virasse dia, que a lua se congelasse e nunca mais se despedisse. Pegou-lhe as mãos pela última vez, registrando cada marca, cada pegada, cada átomo da escuridão que a cercava. Deixou-se ir, sentimentos prematuros de saudade, desejando um dia aprender com a idade.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O sutiã de dez milhões

A loira entra na passarela
toda bela e aplaudida
com a sua desejada barriga negativa
Flash e luzes por toda parte
parece uma obra de arte

Mas ela ostenta nos seios dez milhões
enquanto crianças na Africa
são dominadas pela fome 
repreendidas de curtir a flor da vida
ouvindo o dolorido ronco da barriga

Ela carrega nos seios dez milhões
enquanto muitos doentes
morrem por falta de acesso
à um hospital ou profissional
parentes na beira da tristeza

Ela cobre os seios com dez milhões
enquanto seres da espécie dela
dormem sem a presença de um teto
expostos ao frio e ao inferno
sem esperança de um dia quieto

Ela deixa a passarela com classe
após desfilar exibindo pedras
que valeriam dez milhões de vida.

Gabriela Martelo

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Estranho

  Estranheza percorreu pela sua alma, não reconhecendo-a. Estranho aquilo de acordar e não lhe vir a tão familiar face em sua mente, com o desejo de tornar aquela falsa reprodução em original. Realmente estranho percorrer os habituais caminhos de seus diários afazeres e não procurar aquele mesmo coração entre os milhares que passavam, inda sabendo que este já desviara do seu andar. Também estranho o fato de se concentrar naquele trabalho que lhe era tão mal humorado e cansativo, sem idealizar na sua carente e necessitada imaginação os apaixonados e desesperados beijos que trocariam, as mãos perfeitamente encaixadas e os olhares vidrados no mesmo ponto. Mais estranho ainda era chegar em casa após outro repetitivo dia e então preparar-se para adormecer sem procurar nas escondidas fantasias um meio de se sentir mulher. Anormal, desusado, bizarro viver sem um momento do passado para se refugiar, abrindo suas portas para estranhos amores, estranhos prazeres, estranhos rostos, estranhos ares.

   Gabriela Martelo

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Hábito

  Entre tantos sufocados soluços, sentimentos repreendidos, madrugadas monótonas na companhia dos maços de cigarro e no momentâneo prazer ao sentir a bebida goela abaixo, o conceito de escuridão virou algo comum ao seu ser. Aquilo que antes lhe arrancava pedaços do corpo, originava lágrimas abafadas no travesseiro e deixava as mãos desesperadas por quebrar indefesos objetos, agora interage com uma agoniante indiferença. Quando o interior se iguala ao exterior, não há sentido em haver crises, uma vez que nada saiu do lugar. Se habituou à ideia do cheiro que tanto lhe agradava estar apenas em suas roupas e a maciez dos cabelos na lembrança das mãos que tanto afagava-os. Virou rotina os romances felizes se realizarem somente nos livros empoeirados e os sorrisos persistirem nos rostos que o ignoravam. Acomodado com a solidão do bar e com a exaustão no ar, se enganou ao pensar que esqueceu aquilo que lhe tirava o sono. Não fazia ideia que o fato de não sentir mais a dor do espinho de uma rosa não significa que deixará de sangrar quando se espetar. Atordoado, custava a admitir que as lágrimas não secaram pela luta de se esquecer um bem, e sim pelo fato de ver a atmosfera que o rodeava sem se esgoelar com tamanho baixo astral. 

Gabriela Martelo

Gradação

Da carência nasceu a atração
da atração se desenvolveu a paixão
da paixão graduou o amor
do amor se teve como consequência a convivência.

Da convivência surgiu o hábito

do hábito veio a exaustão
da exaustão se consagrou a separação
da separação se derramou saudade
que se disfarçou de orgulho.

Hoje, após troca de olhares

houve um índice de gratidão. 
De fato, são poucas as pessoas 
que nos apresentam os caminhos do coração.

Gabriela Martelo

A Ditadura

Oiii, gente! Depois de muito e muito enrolar, postando meus textos no face, criei o blog e postarei tudo aqui. Vou postar primeiro os que estavam no facebook, e depois vou postando os novos, que surgirão com o tempo! Vou começar postando o preferido do meu pai e da minha amiga Maria Helena, duas pessoas muito especiais pra mim. Enfim, espero que vocês gostem.


A Ditadura

A gente tá sempre idolatrando
tudo que deveria ser apenas uma segunda opção
preferindo a capa ao invés do coração
se iluminando por fora
e deixando no interior uma repleta escuridão.

A gente tá preso numa escravidão
revistas de beleza sendo verdadeiras bíblias
uma recente depressão.

A gente tá sendo vítima do imperativo
pode ser perfeito
não pode mostrar o ser
faça isso
não faça algo de estremecer.

E aqui vamos nós
a gente
servos não cientes de tal grade
presos na ilusão de tamanha liberdade.


Gabriela Martelo